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09/07/2019

Arquivo 2015: 11.920 km pelo Brasil


Ao final da quarta-feira, 18 de novembro, concluí uma importante etapa em minha trajetória profissional e pessoal não só deste ano, mas com certeza de minha vida. Ao desembarcar no aeroporto de Macapá, procedente de Manaus, encerrei uma viagem que durou quase cinco meses e me levou a percorrer sete estados brasileiros (Pará, Goiás, Tocantins, Bahia, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas), totalizando (aproximadamente) 11.920km. A imagem que abre o texto mostra um barco navegando no Rio Madeira, entre Porto Velho e Manaus.

motivo da viagem foi divulgar em outros estados o meu trabalho de valorização da cultura tradicional do Amapá, traduzido em meu projeto As Tias do Marabaixo, e também oferecer a instituições públicas e privadas a contratação de apresentações de artistas que produzo e/ou represento, nas áreas de Música e Literatura. Em meio à viagem, idealizei e estruturei uma nova atividade, a Oficina de Cinema Independente, que foi incorporada de imediato ao rol de atividades que ofereci às instituições. Isto no âmbito profissional; no aspecto pessoal, aproveitei para conhecer melhor os lugares por onde passei (eu já estivera em quase todos estes estados, menos Goiás e Mato Grosso,  quase sempre contratado para realizar um curso ou oficina, ou então cobrindo algum festival - em ambas situações, você acaba ficando muito focado no evento e pouco circula pela cidade onde ele se realiza).

Eu já havia pensado antes em fazer algo semelhante, aliás, creio que o desejo de "botar uma mochila nas costas e sair por aí" é uma fantasia recorrente na nossa civilização. O que me fez ver que era oportuno investir nisso agora foi justamente o lançamento, no começo do ano, dos curtas-metragens do projeto As Tias do Marabaixo, que vieram se somar à exposição de fotos criada no ano passado. Minha intenção inicial era, além de tentar vender shows dos artistas que represento, ir realizando mostras dos filmes e expor as fotos ao longo do percurso. Programei-me para sair de Macapá após o Dia Estadual do Marabaixo (16 de junho) e retornar em novembro, a tempo de acompanhar o Encontro dos Tambores (grande evento que reúne na capital do Amapá, na Semana da Consciência Negra, todos os grupos de Marabaixo e Batuque existentes no estado).

A viagem começou a tomar forma em abril, quando recebi o convite para cobrir o Mutum - 1ª Mostra de Música Instrumental e Cultura Popular do Tocantins, entre os dias 10 a 12 de julho, no distrito de Taquaruçu, próximo a Palmas. A etapa inicial da viagem então seria primeiramente, sair de Macapá para Belém (o que é praticamente obrigatório, pois você só sai de Macapá de navio ou avião, e o primeiro destino no Brasil é, tradicionalmente, Belém; só há bem pouco tempo passou a haver vôos diretos entre Macapá e Brasília) e de lá ir para Palmas, participar do Mutum e depois seguir para a Bahia - eu tinha muita vontade de mostrar meu projeto, que retrata o Marabaixo, uma cultura negra forte, da Amazônia, na capital da cultura negra do Brasil. Depois da Bahia, a ideia era ir a Brasília contatar as embaixadas dos países de fala espanhola da América do Sul (são nove, os sete que fazem fronteira com o Brasil, mais Equador e Chile). Em todos estes países, o brasileiro pode entrar apenas com documento de identidade, não necessitando passaporte nem visto. Da capital federal, pretendia seguir por Mato Grosso e Rondônia (entrando eventualmente nos países vizinhos) até chegar a Manaus, de onde voltaria a Macapá de navio, mesmo meio de transporte pelo qual deixei o Amapá em junho. Quase todo o restante do percurso foi feito de ônibus, com exceção do final - como já mencionei, o retorno de Manaus para Macapá foi de avião.

As razões de eu priorizar os deslocamentos por terra ou água foram basicamente três: , a vontade de conhecer mais a fundo as regiões por onde eu iria passar, o que você não consegue indo de avião (voando eu não teria visto uma chalana descendo o Rio Paraguai, como na canção de Mário Zan e Arlindo Pinto); , o custo menor das passagens (salvo datas muito específicas, o custo das passagens de navio e ônibus não varia, como as de avião, que são tão mais altas quanto mais perto da data de viajar você compra); , o excessivo volume de bagagem que tive por quase toda a viagem.

Isto foi, sem dúvida, meu maior erro. Saí de Macapá com duas malas e uma bolsa grande (basicamente, numa mala tinha todas as minhas roupas, na outra material dos artistas que represento e na bolsa os banners com as fotos da exposição). A mala com material dos artistas ia ficando mais leve a cada cidade visitada, o que não acontecia com a bolsa. Mas aproveitei a viagem para exercer o desapego e doei boa parte das roupas que eu levava, em Belém e em Palmas. Já em Manaus, fui ao Correio me informar e soube que é possível você despachar uma mala (desde que ela não exceda 30kg, e a minha "bateu na trave", com 29,4kg). Sem dúvida bem mais prático e econômico do que pagar excesso de bagagem a uma companhia aérea (como se sabe, o limite para bagagem por passageiro é de 23kg). Livre da mala, pude enfim optar por pegar um avião.

Para quem pretende fazer uma viagem semelhante, circulando de ônibus pelo Brasil e de navio pela região amazônica, é bom ter em mente que as informações sobre itinerários e valores são, infelizmente, bem escassas, o que me impediu de já sair de Macapá em junho com o planejamento da viagem todo feito. Por exemplo, só chegando a Porto Velho é que você vai descobrir onde compra a passagem de navio para Manaus. Ou então constata que não tem como ir direto de ônibus de Belém a Palmas (embora sejam capitais de estados vizinhos). No meu caso, especificamente, essa impossibilidade de planejamento prévio não chegou a ser um problema; como já falei, nas vezes anteriores, eu ia para estes lugares para um evento, sem poder conhecer nada das cidades. Então usei esse aspecto, que poderia ser negativo, a meu favor, me permitindo ficar nas cidades visitadas o tempo necessário para fazer os contatos e, quase sempre, fazer turismo, seja visitando locais históricos, seja degustando a culinária local. (Dicadescobri que no site da Rodoviária de Goiânia é possível comprar passagens de ônibus para vários destinos no país, não necessariamente chegando ou partindo de Goiás, e o pagamento pode ser feito com cartão ou mesmo boleto bancário, do mesmo modo adotado por algumas companhias aéreas).

Em relação aos contatos, bem cedo me dei conta de que o agendamento de sessões dos meus curtas e/ou exposição das minhas fotos, durante o período mesmo da viagem, seria bastante difícil. Pela internet é possível saber que há uma vasta rede de cineclubes no país, mas não encontrei em lugar algum uma lista dos diversos existentes nos estados que percorri. Mesmo assim, consegui exibir os filmes em Paraíso (TO), Salvador (BA) e Porto Velho (RO) - nas duas primeiras cidades, também expus as fotos. Ainda na Bahia, realizei em Jequié a primeira edição da já citada Oficina de Cinema Independente, cuja ideia me ocorreu em julho no ônibus em que fui de Palmas a Salvador (aliás, devo dizer que aproveitei muito bem o tempo passado nos ônibus e nos navios, sem conexão possível com a internet, para organizar as ideias e projetar bastante coisa já para 2016. Mas enfim, tenha em mente que a propagandeada "cobertura nacional" das operadoras de celular se concentra, na maior parte das vezes, nos centros urbanos).

A ideia de criar a Oficina alterou radicalmente a sequência da viagem. Eu já tinha um convite para ir a Jequié, no começo de agosto, para uma mostra dos curtas. Como o evento precisou ser transferido para setembro, vi ali a possibilidade de estrear a Oficina, aproveitando então o tempo para escrever o texto-base e preparar as aulas. Ao retornar de Jequié, decidi ficar mais um mês em Salvador, para poder oferecer a Oficina para instituições culturais e de ação social. Acabei ficando, então, quase três meses (julho a outubro) em Salvador, o que influenciou todo o restante da viagem. 

Ah, sim: tão logo o evento em Jequié mudou de mês, fui em busca de um quarto para alugar na área central da capital baiana - sendo a cidade turística, são comuns os aluguéis de casas ou mesmo quartos mobiliados por temporada, e mais uma vez a melhor forma de se informar é... estando lá). Nas outras cidades, escolhi os locais onde me hospedar em duas principais fontes: a rede de albergues da juventude Hi Hostels (à qual me associei assim que cheguei a Belém, em junho. Ser associado garante descontos nas hospedagens em 95 hostels de 20 estados) e o site Booking (após fazer se cadastrar e fazer a primeira reserva, você passa a contar com facilidades como reservar pelo site e só pagar a primeira diária ao fazer o check-in no hotel escolhido).  

Enfim, como só saí da Bahia em 20 de outubro e o Encontro dos Tambores acontece sempre na segunda quinzena de novembro, o jeito foi 'encurtar' as estadias nas etapas seguintes (além de trocar Brasília por Goiânia, já que também ficara descartada a ida aos países vizinhos ainda este ano). A passagem por Goiânia foi a mais breve do percurso (quatro dias, um dos quais feriado - o aniversário do município). Aqui, mais um aspecto da dificuldade de um "planejamento total", prévio à viagem: não existe (ou se existe, não encontrei) uma base de dados confiável informando feriados de municípios e estados do Brasil. Mesmo os sites oficiais podem omitir algumas datas comemorativas, como o Dia do Comerciário que fechou boa parte das portas das lojas de Salvador na véspera da minha saída (19 de outubro), e sobre a qual nem o hostel nem os serviços de turismo tinham conhecimento...  

Finda a viagem, é o momento de, primeiro, acompanhar o Encontro dos Tambores e, em seguida, retomar a rotina (até porque boa parte dos contatos só deve gerar frutos para o próximo ano) e começar a pensar na próxima viagem, na qual quero enfim percorrer os países vizinhos, não sem antes passar pelos estados do Nordeste (só conheço até hoje Bahia, Pernambuco e Maranhão). Datas e itinerários ainda estão em aberto, mas uma certeza eu já tenho: vou levar beeeeem menos bagagem - uma mochila para o notebook, uma bolsa para as roupas e talvez uma pequena mala que possa ser despachada nos trechos que eu venha a fazer de avião. Afinal, já diz o velho ditado que "é errando que se aprende".


  • Making-off do post - Publicado originalmente no LinkedIN em 23.11.15 e republicado no blog Jornalismo Cultural no dia seguinte. Postei artigos originais no LinkedIN entre 22.7.15 e 16.11.16, até que, devido ao baixo volume de leituras e repercussão zero, optei por sair do site, mesmo porque ele jamais me gerou oportunidade profissional alguma (que era o objetivo de estar lá). 

  •  O post original no blog inclui outras fotos onde eu apareço. 

  • Até o momento segue sendo minha viagem mais longa.

  • Como dito no final do texto, na viagem seguinte minha bagagem foi bem mais leve. Aliás, o padrão descrito na penúltima frase foi praticamente o que adotei para minha vida no geral: mala para roupas, mochila para notebook e bolsa para material de trabalho. A mala, aliás, deixou de ser aquela 'padrão' para 23kg e passou a ser uma mala de palha, onde devem caber, se tanto, 10kg. Uma forma não só de exercer na prática o desapego, como para me adequar à realidade, já que desde 14.3.17 caiu a gratuidade para despachar bagagens aéreas com até 23kg (e que já foi bem mais flexível; lembro que em 2004 não me foi cobrado excesso de bagagem quando, voltando de Belo Horizonte, despachei uma mala com mais de 27kg).   

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