Não é porque não é fácil
que vamos deixar de sorrir
(Foto: eu em Salvador, jul/15,
por Laura Dantas)
Na tarde dessa quinta, talvez pela milésima vez (e dificilmente será a última) alguém me perguntou sobre como é possível viver através de festivais e editais na área de cultura, e pela milésima vez respondi que na verdade você não vive disso, o que deve fazer é se organizar para que não fique na dependência de seu filme ganhar o Kikito para você conseguir continuar se alimentando.
Ou seja, basicamente o que falei aqui no textão da semana passada (Acredite em você!), que mencionava várias oportunidades que existem ou que você mesmo pode criar para seu trabalho nas áreas de Artes & Comunicação. Entre eles, os famosos editais de seleção de projetos.
Nestes editais, N pessoas ou empresas ou coletivos se candidatam a um número limitado de vagas ou verbas, e uma comissão de pessoas especializadas na área decide os selecionados levando em conta a proposta - e, muitas vezes, também o trabalho anterior - de cada inscrito. É comum que um processo assim leve meses, mas não necessariamente. Por exemplo, minha inscrição na Mostra Cine Redemoinho aconteceu no dia 2 de novembro, no dia 8 fui comunicado que meu filme Tia Biló fôra selecionado e a apresentação dele em Angra dos Reis aconteceu já no dia 11.
Isso só foi possível porque a Mostra Cine Redemoinho utilizou um sistema simples e todo online de inscrição, no qual só foi preciso eu informar meus dados básicos e o link para visualização do filme no YouTube, através do qual a organização do evento fez o download da obra para exibição.
Essa forma de inscrição tem se popularizado entre os festivais de cinema, e até alguns de fotografia. Facilita para todos - os artistas não têm que gastar em cópias de papel (no caso da fotografia) ou em dvds (no caso de cinema) e menos ainda com o Correio. Mas ainda é comum você encontrar editais - em geral promovidos pelo setor público - que pedem para você mandar tudo em papel pelo Correio, muitas vezes simultaneamente com uma inscrição online (o que é, no mínimo, contraditório). Teve um que não só pedia tudo isso como ainda exigia que você assinasse a última página da ficha de inscrição impressa a ser enviada por Sedex junto com o DVD. Devo ter achado isso tão absurdo que acabei enviando sem assinar. Felizmente o órgão público não só me avisou como foi compreensivo ao permitir que eu enviasse a ficha assinada digitalizada em pdf como anexo de e-mail para não ter que gastar novamente com o Correio. Não custa lembrar que nem sempre o ente público é tão benevolente.
Falando em setor público, é por vezes assustadora a montanha de documentos que lhe são exigidas apenas para você se inscrever num edital. Não estou falando em você já ter tido seu projeto aprovado e aí encaminhar a documentação de praxe para ter acesso à premiação (afinal, é um dinheiro público, seu uso tem que estar justificado). Estou falando em se exigir dezenas de documentos, certidões e assinaturas apenas para você pleitear a premiação. Toda vez que penso nisso, não consigo concluir outra coisa senão que toda essa exigência é ruim até para o próprio órgão público que lançou o edital, e que vai precisar receber e lidar com todo esse papel - e, naturalmente, descartá-lo depois de algum tempo, o que é algo bem sério (lembre-se, o papel vem de árvores mortas). Agora, o pior é quando o edital exige uma infinidade de documentos e nem ao menos oferece premiação em dinheiro! Que proteção do uso do dinheiro público está sendo feito nesse caso??
Até aqui, veja bem, falei de editais em que você talvez tenha algum gasto, quando for preciso enviar algo via postal. Fora isso, geralmente você não tem outro custo, ao menos em editais brasileiros. São raros os editais entre nós que cobram para você se inscrever. Agora há pouco, até me surpreendi ao ver a chamada do Fest Foto Brazil 2017, de Porto Alegre, cuja inscrição custa 30 dólares.
Esse tipo de cobrança é mais comum no exterior, em especial na Europa. Você simplesmente não se inscreve em festivais europeus, seja de fotografia, seja de cinema, sem pagar uma taxa de inscrição. E em alguns casos, em especial de fotografia, ainda precisa imprimir as imagens e enviar pelo correio, o que dá um senhor investimento!
Por exemplo, o 11º Prêmio Internacional Arte Laguna, de Veneza (Itália), de artes visuais (incluindo a categoria Arte Fotográfica), cobra uma taxa de 55 euros para inscrição de obra única, e 100 euros para inscrição de duas obras - se você tiver menos de 25 anos, recebe um desconto de 10% nos valores. Caso opte pela inscrição por meio postal, que obviamente tem seu custo, você gastará ainda com a impressão da documentação e de fotos das obras (o que até faz sentido em categorias como Pintura, por exemplo, mas na categoria Arte Fotográfica vai contra o que diz o próprio edital, que pede que não se envie a obra!). Ok, os prêmios são interessantes (7 mil euros para o vencedor de cada categoria, mais exposição e publicação), mas também não é algo acessível para a maioria dos artistas brasileiros - cem euros hoje equivalem a 363 reais, mais de 40% de um salário mínimo.
Enfim, em casos assim cabe a cada um avaliar se o investimento compensa e se tem condições de dispor deste valor agora sem ter a certeza se receberá ou não o prêmio. Mas, como já dizia o ditado : quem não arrisca, não petisca.
E afinal, ninguém falou que seria fácil!
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