Ontem, 3 de outubro, pouco depois das 22h, uma foto que compartilhei nos Stories do meu Instagram foi excluída pela própria plataforma em segundos. Logo depois, por várias vezes, me foi exibido o aviso cujo print ilustra esse post. A ação da empresa controlada por Mark Zuckerberg foi, portanto, rápida e enérgica, mesmo que ela própria não pareça estar muito certa da motivação - repare que mesmo sendo dito que o conteúdo compartilhado "parece... que mostra nudez ou atividade sexual", o Instagram não tem a menor dúvida de que "isto não segue nossas Diretrizes da Comunidade".
(Antes de avançar, e aproveitando que estou publicando isto numa plataforma que não faz parte do "império Meta", vamos esclarecer do que estamos falando. É uma foto da modelo espanhola Irene Heiwa feita pelo fotógrafo Manuel Martínez no Garci Estudio, de Madri, alugado para a ocasião. A foto foi publicada no perfil de Martínez em 15 de setembro de 2023 e havia sido compartilhada por Irene em seu perfil @lith.lilium três horas antes de eu tentar fazer o mesmo. Trata-se, portanto, de um trabalho artístico, sem envolver nenhum tipo de "atividade sexual", como o Instagram se apressou em rotular. E, sejamos francos, um trabalho artístico belíssimo! Enfim, cheguei a relatar o acontecido à própria Irene; ela me respondeu que o Story dela também havia sido removido e ela pedira revisão).
É claro que ninguém gosta de ter um conteúdo excluído, mesmo que não seja de sua própria autoria. De todo modo, eu encaro o compartilhamento de imagens de alta qualidade técnica e artística como parte do meu trabalho, pois isso pode servir como inspiração para minhas seguidoras, sejam elas modelos ou clientes que venham a ser fotografadas por mim (até porque quase sempre compartilho fotos que eu gostaria de ter feito), como também mulheres que optem por trabalhar com outras/outros profissionais; penso que há mercado para todos. Faço esses compartilhamentos, em geral, como stories, mas houve pelo menos uma ocasião, em janeiro deste ano, em que reuni num vídeo em meu feed várias fotos do ensaio que a fotógrafa paulista Mônica Norberto fez com a modelo Marjorie Ono (o post, acessível neste link, inclui um poema que escrevi inspirado no ensaio). A própria Mônica escolheu as fotos para eu postar.
Voltando a ontem: o Instagram, ao me comunicar que o story fora removido, falou que eu já não mais me qualificava para usar as ferramentas para conteúdo de marca do Instagram (como se isso fizesse alguma diferença para quem tem uma conta pessoal) e também informou que eu poderia pedir para a punição ser reconsiderada, o que eu optei por não fazer, já que se tratava de uma obra de terceiros. Fosse uma foto de minha autoria, possivelmente eu teria adotado a mesma atitude que Irene Heiwa, e que lhe valeu ter o conteúdo novamente disponível para seus seguidores.
Eu disse "possivelmente", e não "com certeza", porque já houve caso anterior semelhante, em que uma foto de minha autoria sofreu exclusão, sendo aliás o caso mais estranho dos que tenho registro. Em 10 de agosto de 2022, publiquei no feed uma foto em que uma modelo (vestida, diga-se de passagem), se olhava no espelho; o compartilhamento da foto como story foi excluído. Motivo alegado? O de sempre: "Nudez ou atividade sexual" (!!!!!!) Nem lembro porque não recorri, talvez pelo próprio absurdo da situação.

Outra exclusão aconteceu logo em seguida, no dia 20 de agosto. Tanto neste caso, quanto no anterior, as fotos que me acarretaram punições seguiam disponíveis nos perfis de seus respectivos autores (sim, inclusive a minha!). O mesmo se pode dizer em relação a uma outra restrição que eu ainda tinha vigente nesse momento, relativo a um compartilhamento feito em 6 de setembro de 2021 (até onde tenho visto, as restrições vigoram por um ano, caducando depois disso, tipo as dívidas no SPC após cinco anos). Houve mais uma punição em 11 de outubro de 2022, afora outra que certamente aconteceu antes de agosto de 2023, pois lembro bem que cheguei a ter quatro restrições simultâneas. E isso que o Instagram não incluiu nessa lista a bizarra punição que recebi em janeiro de 2023 ao enviar pelo Direct uma foto (ao lado) da cantora Lana Del Rey, como contei aqui (quando fiz o envio eu não sabia, mas o Instagram chegou a excluir esta foto da conta da própria Lana!).
Mesmo com esse histórico todo apresentado acima, a exclusão de ontem me surpreendeu sim, por pelo menos dois fatores. O primeiro, como imagino que quem chegou até aqui na leitura desse artigo já tenha bastante claro, é que eu não vejo sentido nessa punição.
O segundo é um desabafo publicado pela cantora Jade Baraldo, no próprio Instagram, apenas dois dias antes (ou seja, em 1 de outubro). Num carrossel com texto em todas as nove imagens, em duas (a quarta e a sexta) ela aborda aspectos que têm a ver com o tema que debato aqui. Na quarta imagem, Jade informa que "nos últimos três meses fotos minhas seminuas foram impressas 10X (sim, dez vezes) mais que conteúdos meus tocando e cantando", o que lhe levou a afirmar que "chega a ser obscena a preferência que as plataformas dão para conteúdos sexualizados em detrimento a conteúdos musicais ou artísticos." Já na sexta, classifica a preferência como algo "nojento e desanimador", acrescentando que isso "subverte toda a nossa luta por liberdade sexual e pelo empoderamento feminino", pois "o que era empoderamento e rompimento de padrões se torna mero recurso de marketing OBRIGATÓRIO para que nossa arte seja devidamente divulgada."
Bem, ao reler hoje o desabafo de Jade Baraldo, e tendo em vista todas as exclusões de conteúdo que relatei acima (as minhas, mais a temporária da modelo espanhola), afora os inúmeros casos que me chegam ao conhecimento de outras modelos e fotógrafos especializados em ensaio sensual e que têm removidos conteúdos ou mesmo o perfil inteiro, me vi num impasse. Como entender que uma mesma rede social privilegie a entrega de conteúdos sexualizados de cantoras ao mesmo tempo em que exclui fotos de nu artístico por ver nelas "atividade sexual"? Cheguei a pensar que teria havido alguma grande mudança nas Diretrizes da Comunidade - aquelas que raramente alguém lê, e mesmo que o faça, não é com frequência. Eu, por exemplo, devo ter lido pela última vez em julho de 2019, quando escrevi o artigo sobre censura nas redes sociais que deu origem ao meu site, colocado no ar já no mês seguinte.
Acessei as Diretrizes (neste link) e, a rigor, posso dizer que houve sim mudanças. Reproduzo aqui a redação atual referente ao tema, a antiga você pode ler no meu artigo linkado no parágrafo anterior.
- Publique fotos e vídeos apropriados para um público variado.Sabemos que há momentos em que as pessoas podem querer compartilhar imagens de nudez de natureza artística ou criativa, mas, por vários motivos, não permitimos nudez no Instagram. Isso inclui fotos, vídeos e alguns conteúdos criados digitalmente que mostram relações sexuais, genitais e imagens próximas de nádegas totalmente expostas. Algumas fotos de mamilos femininos também estão incluídas, mas fotos no contexto de amamentação, parto e pós-parto, em situações relacionadas à saúde (por exemplo, pós-mastectomia, conscientização sobre câncer de mama ou cirurgia de confirmação de gênero) ou como ato de protesto são permitidas. Nudez em imagens de pinturas e esculturas também é permitida.
O que mudou?
1. Agora na frase onde é dito que no Instagram não é permitida nudez, um link nessa palavra remete à página "Nudez adulta e atividades sexuais" dos Padrões da Comunidade do Facebook. Para quem tiver interesse em fazer esse comparativo, a versão antiga das normas do Facebook também se encontra disponível no meu artigo de 2019. O que quero ressaltar aqui é que, mesmo que há cinco anos o Instagram já pertencesse à empresa dona do Facebook, suas Diretrizes não eram atreladas tão formalmente às do, digamos, seu "irmão mais velho".
2. Foram incluídas no texto duas situações em que se permitem fotos de mamilos femininos: cirurgia de confirmação de gênero e ato de protesto.
Dito tudo isso, o que concluo? Fico com a impressão de que é proposital o que podemos classificar como um descompasso entre discurso e prática do Instagram. Mesmo que isso signifique simplesmente passar por cima de normas que a própria empresa (Meta) informa publicamente, os interesses da rede social sempre serão colocados à frente dos interesses de qualquer de seus usuários, seja eu com meus 2.041, seja Lana Del Rey com seus 19 milhões!
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