06/05/2020

Rapidola Clássico 14



Leio o "Soneto à Cidade da Bahia", de Gregório de Matos (1636-1695). 

Gregório nada publicou em vida e é difícil datar seus escritos, com exceção dos que se referem a acontecimentos dos quais ficaram registros. É o caso deste, em que várias cópias manuscritas que foram conservadas do século 18 (quase todos distando no máximo meio século da morte do autor) fazem menção à ocasião em que veio taxado o preço dos açúcares, o que remete diretamente ao nono verso: Deste em dar tanto açúcar excelente... Parece ser um protesto contra uma medida adotada pelo rei de Portugal Dom Pedro II em 16 de março de 1688, diminuindo as taxas alfandegárias do açúcar e do tabaco, além de tabelar o preço de alguns produtos indispensáveis às atividades dos engenhos. A medida não foi bem aceita na Bahia, então sede do governo-geral do Brasil. O governador-geral Matias da Cunha, em correspondência ao rei datada de agosto de 1688 apresentou os inconvenientes de executar a ordem, e em nova análise da matéria o rei achou por bem que a lei não tivesse “efeito nem vigor na parte que respeita ao preço dos açúcares". A questão acabou se arrastando - um pouco devido à concorrência internacional que o produto enfrentava devido ao açúcar produzido pelos holandeses nas Antilhas, outro tanto pela Guerra dos Nove Anos (1688-97), na qual Portugal aliou-se à Inglaterra, Holanda, Espanha, Suécia, o Ducado de Sabóia e o Sacro Império Romano-Germânico contra a França e jacobitas irlandeses. A concorrência do açúcar holandês fazia baixar o preço no exterior do produto brasileiro; já a guerra, ao tornar mais difícil a chegada do açúcar aos mercados consumidores, contribuía para sua valorização, beneficiando os senhores de engenho brasileiros. Considerando tudo isto, creio que o poema seja de 1688. 

Este soneto é mais conhecido pelo título "Triste Bahia", tendo sido inclusive musicado por Caetano Veloso, que o gravou em seu LP Transa, de 1972. Caetano manteve os quartetos originais, eliminou os tercetos e compôs mais cinco estrofes, mesclando versos seus com sambas de roda tradicionais do Recôncavo baiano, resultando numa faixa de quase 10 minutos (ouça aqui). 



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