No post nº 200 deste blog, comentei minha carreira como cineasta, que completava então dois anos, a contar do lançamento do curta Tia Zefa no Dia da Consciência Negra 2014, em 26.2.15 (daí o nome do post, Dois anos de Cinema). E cheguei a citar que meu primeiro projeto de filme inscrito em um edital data de 2005. O que não cheguei a comentar naquele texto é que bem antes disso eu já havia participado de algumas produções - seja dando depoimento para documentários musicais, seja como figurante em ficção. Sim!
Foi exatamente como figurante que apareci pela primeira vez numa produção cinematográfica. Trata-se do curta-metragem O Guarda-Linhas, de Liloye Boubli. Você pode assistir este filme no Vimeo.
Marcelo Picchi e Gianfrancesco Guarnieri
em O Guarda-Linhas
O curta, com roteiro da própria Liloye em parceria com Geraldo Carneiro, é baseado no conto "El guardagujas", que integra o livro Confabulario, publicado em 1952 pelo escritor mexicano Juan José Arreola (1920-2001). Confabulario foi um dos títulos que deu a Arreola a fama de um dos mais importantes nomes do conto fantástico no México - o crítico americano Seymour Menton escreveu que, em contos como "El guardagujas", Arreola revelava estar "constantemente preocupado pelo verdadeiro sentido do mundo em que vive".
As filmagens aconteceram em Bento Gonçalves e Garibaldi, duas cidades da Serra gaúcha, em abril de 1993. Na época, eu colaborava com a Rádio Viva, de Bento Gonçalves, produzindo o programa A Voz dos Distritos, um radiojornal que abordava temas da área rural do município. Como parte das filmagens do curta aconteceram justamente na área rural de Bento, convenci um dos diretores da rádio, Fernando Rachele, que também era o apresentador do programa, a fazermos uma edição especial sobre O Guarda-Linhas. Excepcionalmente, coube a mim o privilégio de, além de produzir, apresentar este programa, já que naquela semana Rachele não pôde gravá-lo.
A produção do curta recebeu muito bem a ideia do programa para a rádio - fui autorizado pela própria Liloye, inclusive, a resumir o roteiro no programa, sem restrições quanto a revelar o final da história. Da equipe do filme, apenas o ator Marcelo Picchi não quis gravar entrevista pra rádio; além da diretora, entrevistei o produtor Carlos Del Pino - que apontou a relevância do cinema brasileiro, num momento em que o setor ainda se ressentia da extinção da Embrafilme durante o governo Collor de Mello; lembro que Del Pino comentou que "estamos com uma equipe de cinema inteira aqui, a Rede Globo não viria gravar uma novela em Bento Gonçalves". Conversei também com o ator Gianfrancesco Guarnieri (apenas um dos maiores nomes do teatro brasileiro em todos os tempos), que fez questão de citar meu nome em ao menos uma das respostas (quem já trabalhou em rádio no interior sabe da importância disto); meu contato com Guarnieri me provou, uma vez mais, o quanto são humildes os verdadeiramente grandes.
O Guarda-Linhas foi selecionado para o 26º Festival de Brasília (24 a 30.11.93) e teve três apresentações especiais em Bento Gonçalves nos dias 8, 9 e 10.4.94, no Cine Ipiranga (localizado aliás a poucos metros da estação ferroviária onde decorre boa parte da história). O Ipiranga estava desativado desde dezembro de 1992 e desde então abria apenas esporadicamente - em junho de 1993 chegou a exibir "dois filmes ecológicos", como mencionei na minha coluna do jornal Semanário de 9.4.94 onde noticiei a exibição do curta na cidade:
"O Guarda-Linhas
Este é o título do curta-metragem filmado no ano passado aqui em Bento Gonçalves e que está sendo apresentado no Cine Ipiranga neste final de semana. Com astros como Gianfrancesco Guarnieri e Marcelo Picci [sic], o filme foi rodado na Estação Ferroviária, Cidade Alta, no antigo roteiro turístico ferroviário para Jaboticaba, distrito de Tuiuty, e na propriedade da família Strapazzon e localidade de São Miguel, distrito de São Pedro. Os figurantes foram todos recrutados entre a população local (eu também apareço)."
(Lembro que uma amiga minha riu muito deste 'eu também apareço'... risos)
O convite para fazer esta figuração foi totalmente inesperado. Eu estava cobrindo as filmagens na Estação Ferroviária, um dia depois de fazer as entrevistas e acompanhar as gravações em São Miguel, e a equipe de produção me convidou a tomar parte na cena onde uma multidão tenta entrar no trem. Alguém conseguiu um sobretudo emprestado e é com ele que apareço brevemente entre 10:01 e 10:04 do curta - abaixo, algumas fotos (meu cabelo ainda era preto, afinal eu tinha apenas 22 anos - risos). Lembro que em algum jornal de Bento chegou a sair uma foto onde sou visto com certo destaque, logo atrás de Marcelo Picchi, mas no filme minha aparição é de fato bem discreta (e nem teria porque ser de outra maneira). Olha eu ali à direita, batendo na lataria pro trem parar (risos).
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