Ontem à noite, vi no Facebook o post de uma amiga, atriz, relatando um calote que está tomando de uma empresa para a qual executou um trabalho artístico em abril deste ano - sim, há longos cinco meses a empresa não só não lhe paga, como ainda chama de "reclamações" as tentativas que ela - minha amiga, a atriz que doou seu tempo, seu talento, seu conhecimento para executar o que a empresa pediu - faz de receber o dinheiro que a própria empresa lhe ofereceu!!!! :o
Hoje pela manhã, escrevi no post mencionado um comentário que em seguida publiquei em meu próprio mural e entendi que já tinha ali, esboçado ao menos, o textão desta quinta. Esboço desenvolvido, ei-lo aqui.
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Impressionante como na área de serviços (Arte, Cultura, Comunicação e etcs relacionados são serviços) as pessoas entendem que não precisam pagar! Mas estas mesmas pessoas não entram numa loja e "pedem uma calça" emprestado, nem vão ao supermercado pedir na cara dura "um pouquinho de arroz e feijão"...
Eu já tomei muito calote, um dos mais graves foi há seis anos, quando um site de Belém pro qual trabalhei um mês e 20 dias "ficou de analisar" o meu pagamento referente aos tais 20 dias, alegando que eu não completara o mês! Até hoje não pagaram.
Depois disso tenho sido mais cuidadoso, o que não impede de eventualmente ter alguns calotes (risos). O mais recente foi de um estabelecimento comercial em Belém, que queria fotos pra fazer publicidade no Instagram. Como eu já tinha viagem marcada pra Maceió no dia 26 de junho e o dono falou que só poderia pagar no dia 30, fiz as fotos no dia 24 e editei antes de viajar, com a condição de só entregar mediante o pagamento - que não veio até agora. Mas ao menos dessa vez não tem ninguém usufruindo do meu trabalho sem ter pago.
Penso que já tem coisa minha disponível de graça o suficiente na internet - textos, filmes, fotos. Não cobro para ir a escolas falar do meu trabalho; apenas em Macapá, quando levava os banners com as fotos da exposição As Tias do Marabaixo, solicitava que a escola providenciasse meu deslocamento (só uma vez uma escola não mandou ninguém me buscar e eu não fui).
Também não cobro de quem queira exibir pública e gratuitamente meus filmes, afinal eles podem ser vistos de graça no YouTube - mas cobro se alguém quiser fazer uma sessão comentada por mim, isto é um outro trabalho. É comum que nestes casos o 'con-tratante' entenda que prover os meios para você ir e voltar, e eventualmente lhe dar uma refeição (e uma hospedagem, quando o evento for fora da sua cidade), já é pagamento o suficiente. Mas você precisa ser indenizado pelo tempo que ficou à disposição de terceiros! Você teve que se preparar, cancelar ou recusar outros compromissos, isto precisa ser compen$ado. ("Curiosamente", nesses casos o 'con-tratante' jamais, em hipótese alguma, tenta regatear o pagamento correspondente a restaurantes, hotéis e empresas de ônibus ou companhias aéreas - a imensa maioria das quais tem uma conta bancária muito mais polpuda que a sua; é justamente a você, supostamente "a atração" do evento e geralmente o elo economicamente mais fraco desta corrente toda, que se vai negar a devida paga. Doideira?)
Claro que há casos e casos. Algumas vezes você já sabe que não haverá pagamento, e aí concorda em ir (ou fazer o trabalho) ou não - por exemplo, as escolas de Macapá onde apresentei o projeto As Tias do Marabaixo eram, todas, escolas públicas. Caso alguma escola particular me convidasse, até caberia cobrar algum valor. Mesmo a incensada Festa Literária de Paraty, a Flip, não paga aos escritores que são atração do evento - não só ela, evidentemente, como bem assinalou Henrique Rodrigues, em texto publicado no site Publishnews em 30 de agosto - "E pro escriba, não vai nada? - Em escolas e grandes eventos literários brasileiros, só os escritores trabalham de graça". Vai um trecho:
Nem na Flip, o evento literário mais relevante no país, o autor recebe – e não é por conta da crise recente, pois sempre foi assim. (...) Tirar um escritor de casa, fazê-lo pegar a estrada para dar uma palestra ou participar de um bate-papo com o intuito [de] estimular a leitura é uma prestação de serviço cultural, e deve ser remunerada.
Então, temos aqui o primeiro tipo destes casos - o Convidamos Você para Trabalhar de Graça. Esse tipo tem duas variantes:
a) Convidamos Você para Trabalhar de Graça e Deixamos Isso Claro de Saída - É o mais adequado, você pode medir os prós e contras para avaliar se aceita ou não. Geralmente esse convite vem acompanhado de alguma compensação para o não-pagamento (pode ser a cobertura de despesas de viagem, como me aconteceu ao ser convidado para palestrar na inauguração da Casa do Samba de Santo Amaro da Purificação, em 2007).
a) Convidamos Você para Trabalhar de Graça e Deixamos Isso Claro de Saída - É o mais adequado, você pode medir os prós e contras para avaliar se aceita ou não. Geralmente esse convite vem acompanhado de alguma compensação para o não-pagamento (pode ser a cobertura de despesas de viagem, como me aconteceu ao ser convidado para palestrar na inauguração da Casa do Samba de Santo Amaro da Purificação, em 2007).
E, claro, tem o
b) Convidamos Você para Trabalhar de Graça e Vamos Enrolar Você até o Final - Aqui a coisa já começa a ficar feia pra quem convida. Nesse caso a pessoa esmiúça nos mínimos detalhes tudo o que quer que você faça, mas em momento algum fala em lhe pagar. Considero isto mais grave porque quem convida já sabe que não haverá pagamento, e deveria dizer isso de imediato.
Um desses casos de (b) me aconteceu em Belém ao final de 2011 (contei isto já num workshop em Macapá e também no encontro de 2013 com alunos da PUC-SP). Outro foi ali por 2004, quando, ainda em Porto Alegre, eu vinha fazendo uma série de palestras em centros culturais da cidade. O diretor de um clube cultural me telefonou convidando para eu fazer uma palestra sobre Cândido Portinari, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Oscar Niemeyer (sim, todos eles numa palestra só!). De fato eu já havia palestrado sobre os dois primeiros, mas cada um em um evento separado - foi o que de imediato disse ao meu interlocutor, acrescentando que não só eu precisaria pesquisar sobre os outros dois - afora o fato de que Niemeyer era arquiteto, e não artista plástico, o que a meu ver complicava mais a tarefa. Enfim, fiz ver ao clube que a palestra encomendada daria bastante trabalho, e aproveitei para perguntar se eles pagavam o mesmo para cada palestrante ou se cada um negociava livremente o cachê. Pra quê! O diretor ficou MUITO indignado, falou enfurecido que o clube não pagava ninguém, e acabou, acho que na emoção, falando algo que na verdade virou um argumento a meu favor:
- O único convidado que a gente já pagou pra falar aqui foi o Fulano de Tal, porque se não pagasse ele não viria.
Sendo que Fulano de Tal é um jornalista e professor famoso no Rio Grande do Sul, funcionário da Empresa X, um poderoso grupo de comunicação, no qual à época Fulano mantinha uma coluna em jornal, vários programas de rádio e eventuais aparições na TV, e tinha todo esse aparato à disposição quando lançava livros.
Sem pestanejar respondi:
- Pois então, se ele, que tem todo o poderio da Empresa X por trás vocês pagaram, mais certo ainda seria pagarem pra mim, que eu não tenho esse império todo à minha disposição!
Realmente o diretor não esperava por isso, em seguida se despediu e desligou. Se não me engano, ele ainda telefonou mais uma ou duas vezes, mas sempre com a mesma proposta 0800, e eu não cedi.
Porém nada é pior do que o segundo tipo - o A Gente Nunca quis te Pagar Mesmo (também conhecido popularmente como Calote). É o que está acontecendo com minha amiga atriz. Comigo não tem acontecido muito (afinal, tenho aprendido com os erros né - risos), acho que a última vez que fiz um release que a pessoa ficou de pagar depois foi no começo de 2012 (eu estava para viajar, mesmo assim fui à casa da pessoa para entrevistá-la, já que ela não tinha nenhum release anterior, viajei, escrevi, mandei e a pessoa disse que não gostou e não ia me pagar nem usar o texto; de fato, nunca o vi por aí, mas enfim não era o que havíamos combinado). Em ocasiões onde eu prestava assessoria de imprensa de forma contínua para alguns artistas, me acostumei a suspender os serviços a partir de dez dias de atraso do pagamento mensal (mantendo alguns itens, como encaminhar ao artista pedidos de entrevista que eu recebesse, mas sem me envolver diretamente). O caso da empresa de Belém pra qual fiz as fotos em junho eu nem chamaria de calote, porque ao optar por não me pagar, eles também acabaram ficando sem as fotos.
Inclusive considero que é desta maneira que podemos, cada um de nós que trabalha com Fotografia, Arte, Cultura, Comunicação ou o que for, começar a virar este jogo:
Para artistas que trabalham com performance (atores/atrizes como a minha amiga, cantores/cantoras, músicos/musicistas, dançarinos/dançarinas), pode parecer mais difícil o último item - a não-entrega do trabalho sem o pagamento finalizado -, já que, diferentemente de quem escreve ou fotografa, para quem atua, canta, toca ou dança, a 'entrega' do trabalho é indissociável da própria realização deste trabalho. Enfim, cada um sabe de si (já dizia minha mãe: teu coração é teu mestre), mas eu pensaria duas vezes antes de entrar num palco sabendo que o contratante primeiro disse que iria pagar tudo antes da apresentação e quando esta se aproxima, ele "subitamente", do nada, "muda de ideia".
Inclusive considero que é desta maneira que podemos, cada um de nós que trabalha com Fotografia, Arte, Cultura, Comunicação ou o que for, começar a virar este jogo:
- Alguém lhe abordou na rua, num evento, mandou um e-mail, telefonou ou etc. chamando você para trabalhar? Ótimo. Procure entender o que de fato esperam de você e pergunte quanto irão pagar (ou, se for algo que você já tenha estabelecido, diga que você cobra tanto). Em último caso, informe que a partir das informações fornecidas, você irá elaborar um orçamento e enviar em X dias. Resumindo a ópera: traga à tona, e de forma bem clara, o tema "remuneração" já a partir deste primeiro contato. Pessoas honestas não irão se incomodar com isto.
- Uma coisa que aconselho também é cobrar uma parte do valor (o chamado "sinal") já neste primeiro contato, ao menos para você reservar a data. Quando você é chamado a fotografar um show, mesmo que não tenha que arcar com o ingresso, certamente precisará fazer uma refeição e pegar ao menos um táxi.
- Outra dica preciosa é não entregar o trabalho sem receber o pagamento total - seja o saldo que ficou após o pagamento do sinal, seja uma parcela única (depende do que vocês acertaram). Nem sempre funciona para apressar o pagamento (no caso da empresa de Belém, por exemplo, não funcionou), mas ao menos o resultado do seu trabalho não sai por aí de graça.
Para artistas que trabalham com performance (atores/atrizes como a minha amiga, cantores/cantoras, músicos/musicistas, dançarinos/dançarinas), pode parecer mais difícil o último item - a não-entrega do trabalho sem o pagamento finalizado -, já que, diferentemente de quem escreve ou fotografa, para quem atua, canta, toca ou dança, a 'entrega' do trabalho é indissociável da própria realização deste trabalho. Enfim, cada um sabe de si (já dizia minha mãe: teu coração é teu mestre), mas eu pensaria duas vezes antes de entrar num palco sabendo que o contratante primeiro disse que iria pagar tudo antes da apresentação e quando esta se aproxima, ele "subitamente", do nada, "muda de ideia".
* Ilustrando o artigo, árvores fotografadas
em diversos pontos de Maceió.
Feliz Dia da Árvore!
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