23/06/2016

O que você vai ser quando crescer?

Minha infância já ficou no passado (completo 45 anos em agosto), mas creio que ainda hoje não há quem consiga escapar de ouvir essa pergunta, ao menos uma vez, antes de chegar à maioridade - O que é que você vai ser quando crescer?. E a pergunta é disparada, seja por familiares, seja pelas "visitas", desde nossa tenra idade, não importando que não tenhamos ainda a menor condição de avaliar as diversas profissões existentes para poder dar uma resposta consciente - pra não falar que, em função do veloz avanço tecnológico, cada vez mais novas profissões surgem o tempo todo.
Considero que mesmo a época em que somos socialmente forçados a, enfim, definir o que deve ser a nossa "profissão para a vida toda" (?) é um pouco prematura, já que tal decisão está implícita na escolha do curso universitário, algo que acontece ao fim do Ensino Médio, ou seja por volta dos 17 ou 18 anos - sem falar que atualmente a expectativa de vida média do brasileiro já atinge os 75 anos (para as mulheres, 78 anos). Este índice vem crescendo gradativamente ao longo das últimas décadas; para dar um exemplo familiar, em 1973 meu avô e minha avó maternos faleceram, ambos aos 59 anos, e na época esta idade era considerada avançada. Some-se este aumento da expectativa de vida com as sucessivas modificações nas regras para aposentadoria que vêm acontecendo há 20 anos e temos aí um período de aproximadamente 45/50 anos de atividade profissional (ou seja, quase o tempo todo de vida de meus avós!).
Em 40 ou 50 anos tudo pode acontecer, basta pensar em como era o mundo em 1966 ou 1976. Ou, pra não ir tão longe, lembrar como era em 1996, quando no Brasil celulares eram um luxo (além de serem objetos parecidos com tijolos que possuíam uma antena) e a internet era pouco mais que uma lenda. Mesmo telefones fixos, que hoje já são considerados obsoletos, em 96 eram tido à conta de "bens", sendo necessária sua inclusão na declaração do Imposto de Renda!!!
Bom, voltando à minha infância. Quando alguém me perguntava o que eu queria ser quando crescesse, quase sempre a resposta era "Escritor". Na verdade nem esperei crescer, com 14 anos já publicava meu primeiro livro de contos, Zás-Trás-Puf, ao qual se seguiram mais dois livros em papel e posteriormente seis em formato digital (pdf). Cursar Jornalismo era uma decorrência mais ou menos lógica disto, já que não existia à época curso superior para formação de escritores (e estes ainda hoje são em número reduzidíssimo). Praticamente tudo o que eu fiz profissionalmente na vida decorreu da decisão de fazer este curso, no qual entrei em 1990, ainda com 18 anos.
No mesmo ano, comecei a trabalhar em rádio e, no ano seguinte, em jornal - como repórter, mas já vinha publicando crônicas em jornal desde os 13 anos (sim!). No jornal, além de fazer reportagens e assinar uma crônica semanal, também me tornei fotógrafo. Já no primeiro dia de trabalho, o editor me perguntou: "Sabe fotografar?", e eu respondi que não.
A bem da verdade, eu já fizera uma que outra foto na vida, mas sempre como algo esporádico, jamais pensara que um dia poderia viver disso. A primeira foto que fiz, em 1980, foi um clássico registro de família, onde aparecem em nosso apartamento em Bento Gonçalves-RS meu então padrasto, o artista plástico Anastácio Orlikowski (à época com 56 anos) e minha mãe, Glaci Oliveira (com 33) - é a imagem que ilustra o post.


De volta a 1991: ante minha resposta de que eu não sabia fotografar, o editor me colocou na mão uma câmera do jornal, dizendo: "Então vai pra rua e aprende". Para cada matéria feita, fosse reportagem ou entrevista, o esperado era que eu fizesse ao menos uma ou duas fotos em condições de serem publicadas no jornal. Minha passagem por lá foi breve (durou pouco mais de três meses), mas teve o mérito de me tornar dali pra frente um apaixonado pela fotografia. Cheguei a, anos depois, obter um alvará como fotógrafo autônomo junto à Prefeitura de Bento Gonçalves, com o que me habilitei a contribuir via carnê com a Previdência Social.
Nem sempre esta foi minha atividade profissional principal, mas nunca mais parei de fotografar. Ainda em "Bento", como os habitantes carinhosamente chamam a cidade, fotografei inúmeros desfiles de escolha de rainha de escolas. Ao mudar para Porto Alegre, em 1994, comecei retratando os prédios históricos da parte central e depois praticamente me especializei no registro de parques urbanos e áreas de proteção ambiental - ou seja, as linhas de trabalho que, só agora em 2016, vim a denominar, respectivamente, de Belezas Culturais e Belezas Naturais.
Como sempre priorizei as fotos com luz natural, demorei para investir em equipamentos que possibilitassem boas fotos noturnas, indispensáveis para o registro de shows (o que de certa forma eu precisaria ter feito a partir de 2002, quando entrou no ar meu primeiro site, o Brasileirinho, com notícias e reportagens sobre MPB). A transição de foto analógica para foto digital contribuiu um pouco pra essa demora - na época em que lancei o Brasileirinho, já era difícil achar em Porto Alegre quem revelasse fotos de filme em preto-e-branco, por exemplo (o p-e-b ainda hoje é exigência de alguns concursos na área), e os equipamentos digitais ainda eram bastante caros.
Mas como sou da filosofia de que devemos avançar da forma que nos é possível, já fiz muita foto também de celular ou de tablet (esses equipamentos geralmente servem para registrar algo curioso que vejo na rua, e que formam a terceira linha do meu trabalho, a Coisas do Mundo, cujo nome é inspirado pelo samba de Paulinho da Viola "Coisas do Mundo, Minha Nega"). E já usei sim tablet para trabalhos de mais fôlego, como meus primeiros registros do Marabaixo, durante o Cortejo da Murta em 2013, em Macapá.
Nesta época, minha ênfase era no registro de shows realizados na capital do Amapá, para onde vim no começo de 2014, após passar alguns meses na cidade em meados do ano anterior. Desde maio de 2014, porém, os registros de shows ficaram um pouco de lado, devido ao começo do projeto As Tias do Marabaixo, com o qual eu de algum modo juntei as duas profissões que já exercia - jornalismo e fotografia - e me lancei numa terceira, o cinema. O primeiro produto do projeto foi uma exposição itinerante de fotos, que desde 2014 já circulou pelo Amapá, Tocantins e Bahia. Depois, no começo do ano passado, foi a vez de lançar cinco curtas-metragens, o que me habilitou a obter o registro de cineasta; os curtas foram exibidos nos três estados mencionados, e também em Rondônia - um deles, Tia Biló, hoje faz parte do acervo itinerante do festival FestCineAmazônia.
O terceiro produto do projeto é o livro As Tias do Marabaixo - Cultura Tradicional do Amapá em Fotografias. A obra entrou em pré-venda em dezembro de 2015, porém a campanha não conseguiu arrecadar nem perto do valor de R$ 15 mil reais necessário para a impressão dos 2 mil exemplares que planejo. Ocorreu-me então que era um belíssima oportunidade de obter o valor necessário através do meu próprio trabalho como fotógrafo, comemorando da melhor forma possível o meu jubileu de prata na profissão. Nasceu assim a campanha #VamosSonharJuntos. O 'sonhar juntos' tem inspiração na canção "Prelúdio", de Raul Seixas.

A ideia era oferecer ensaios fotográficos a valores promocionais a clientes de vários pontos do Brasil, e para isto abri inscrição. Tive retorno de 30 interessados em 16 estados, porém o sonho não saiu exatamente como o esperado: após realizar alguns ensaios em Macapá e Belém, cheguei a ir ao Maranhão e à Paraíba sem no entanto fazer ensaios nestes lugares, já que houve cancelamentos sem aviso prévio. Longe de desanimar, isto apenas me estimula a buscar um novo caminho para enfim trazer a público meu primeiro livro inteiramente dedicado à fotografia! Se isto ainda puder acontecer no ano em que completo 25 anos na atividade, tanto melhor. Se não, tudo bem, já aprendi que a beleza da vida nem sempre coincide com datas previamente estabelecidas.

* Adaptado de texto publicado em fevereiro no Digestivo Cultural 

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